Apertar o play. Esta é a primeira ação que tem ao pisar na rua, em seu tocador de música ela escolhe uma música que pudesse traduzir sua alma e descrever seus sentimentos naquele momento. Coloca em seus ouvidos os fones e começa a andar. Seu corpo se arrasta em passos lentos que são embalados por uma melancólica e triste música.
Está frio e o dia está quase por acabar, ela anda olhando para o chão e deixa seu olhar se fixar em seus velhos sapatos pretos. O vento sobra muito forte obrigando-a a dar mais uma volta em seu cachecol, em poucos minutos, lá está ela parada na plataforma ferroviária, pois seu destino é um lugar extremamente distante de sua simples casa de subúrbio.
A estação encontra-se praticamente vazia, excluindo-se existem apenas mais duas outras almas por ali, duas mulheres que inutilmente passam suas vassouras sobre o empoeirado chão, que insiste em sujar-se novamente devido o vento de outono que derruba e espalha as folhas de uma velha árvore que desde sua infância tenta dar um pouco de vida aquele monstro de concreto.
“A vida parecia fácil...” era o que inocentemente ela pensou um dia, mas agora pergunta-se “O que significa a palavra fácil?” e só consegue pensar em quando dizem que hoje em dia as coisas são mais fáceis, o ser humano conseguiu inventar uma infinidade de coisas, que para ela era simplesmente um monte de lixo, pois mesmo dotado da tanta sabedoria não conseguiram inventar algo que o tornasse melhor, não inventaram algo que transmutasse sua dor em paz ou seu sofrimento em tranqüilidade.
Já não era mais hoje, o hoje já havia se tornado o ontem para que o amanhã fosse o agora. E ela estava ali, parada, prostrada no início da plataforma, este era mais um de seus inúmeros rituais: descer as escadas e se distanciar o máximo das pessoas. E ali, parada nesta noite fria, ela parecia estar em outro mundo, embalada por sua música dispersa de qualquer outra coisa senão os galhos da velha árvore que se inclina para a direita com o vento.
O trem parou exatamente em sua frente e assim que as portas se abriram a única coisa que ela precisava era dar o primeiro passo e entrar no vagão para iniciar sua jornada, uma jornada que marcaria mais uma vez sua vida, marcaria esta sua nova vida e ela desejava não repeti-la, não nesta vida.
Dentro do vagão apenas mais três pessoas viajavam e estas pessoas traziam estampados em seus semblantes a clara transfiguração do fracasso. Estavam ali quatro indivíduos sentados distantes um dos outros, cada um com suas histórias e seus fantasmas.
A música continua insistentemente a tocar e ela já não sabe mais o que está sentindo, seus sentimentos já haviam se tornado um emaranhado de idéias velhas e vagas. Aos poucos o vagão vai esvaziando e ela fica totalmente sozinha, porém não mais metaforicamente.
A luz fria do vagão torna tudo apático e sem vida, nem mesmo o rubro banco trás a cena vida ou brilho. Inóspita, solitária de corpo e alma, seus pensamentos começam a afetar seus sentidos tornando-os tão confusos quanto sua mente.
Mas é a visão a primeira a trair-lhe. Com a cabeça encostada no banco olhando para o alto vê as luzes dançarem e tornarem-se como salamandras extasiadas. Seus sentidos parecem um amontoado de merda, e merda seria o perfeito reflexo para descrever sua existência.
As luzes, assim como todas as superfícies brilhantes daquele lugar, passam a desfocar-se a cada momento que ela tentava identificar o que via, possivelmente deveria estar muito cansada, cansada demais até mesmo para reclamar.
Ela é um vaso vazio e sua alma há muito tempo já havia abandonado seu corpo, para que toda esta merda pudesse penetrá-la.
Quem era ela, quem era esta personagem sentada em um banco solitária no primeiro vagão deste trem da madrugada, quem são as mães por trás dos milhares de cartazes de desaparecidos, quem são aqueles que morrem vítimas da violência sem terem o direito de conhecerem seus algozes, muito menos os motivos que o levaram, quem são aqueles que morrem nas filas antes mesmo de seus corpos, pois a esperança os abandonam à sorte, quem são aqueles que morrem no cárcere, quem é este que rabisca estas palavras sentado sozinho debaixo de uma luminária tendo como seu consolo apenas um cigarro já pela metade e uma garrafa de conhaque? Quem é você que está neste instante esta escutando esta história? Se somos nós incapazes que de reconhecer-nos, quem dirá esta nossa personagem que não mais se reconhece nem ao espelho muito menos consegue ter consciência de quais caminhos sua vida a fez trilhar.
Ela respira fundo, mais um ritual, é sempre assim respira fundo ao ver de longe o início da última estação, seu ponto final, neste instante uma lágrima escorre por seu rosto, lágrima esta que ela mesmo já não consegue mais explicar tornou-se tão comum que não dói mais, antes mesmo que possa secá-la o trem para.
E o fim e mais uma noite começa para as crianças perdidas.
Inicio 13/10/2010 – 02h15m
Termino 18/10/2010 – 21h38m
Digitado em 23/10/2010 – 03h11m
Leia ouvindo – Run (Snow Patrol)
http://www.youtube.com/watch?v=jS8IZcx7tJY
Um comentário:
horra dé muito bacana o texto isso por que pt.01 historia muito interessante só quero pt 02 vai ser boa falou mano boa sorte t mais
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