quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

PEDAÇO DE MIM ( a partir de Martha Medeiros)



Nesta amanhã quando me levantei, enquanto lavava o rosto, pensei...
Vi que sou feito de sonhos interrompidos, de diversos detalhes despercebidos, alguns amores mal revolvidos.

Percebi que em muito momentos ou feito de lágrimas que correram sem razão.

E que no meu peito sinto falta de lugares que não conheci e de experiências que não vivi. E sinto o vazio de momentos que já esqueci.

Eu sou amor e carinho constante, distraído até que bastante por não paro nem por um instante.

Já tive milhares noite mal dormidas, perdi pessoas muito queridas e cumpri coisas não-prometidas.

Muitas vezes eu desisti sem mesmo tentar, pensei em fugir, para não enfrentar e sorri para não chorar.

Eu sinto pelas coisas que não mudei, pelas amizades que não cultivei, por aqueles que eu julguei e pelas coisas que sem pensar eu falei.

Tenho saudade de pessoas que fui conhecendo, das lembranças que fui esquecendo e dos amigos que acabei perdendo.

Enquanto me encarava no espelho...
Dizia bem baixinho...
... que continuo vivendo e aprendendo

(texto a partir do poema homônimo de Martha Medeiros)



quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ADEUS AMOR! parte 01

 
1979. Este seria um ano que ele preferia não ter vivido, desejava com todas suas forças ter sucumbido por qualquer peste ou acidente, para não ter que estar ali, sentado naquele banco frio, debaixo daquela árvore, naquele maldito outono, tendo que encarar aquela dor imensurável.
Assim como as árvores que estão perdendo suas folhas, também ele esta despedaçando-se por dentro e esta dor é clara em seus olhos, que um dia tiveram cor de mel. A morte estava ali ao seu lado como sua sombra observando-o, ela havia varrido mais uma vida trazendo a dor, o sofrimento e a angústia para muitos e principalmente para ele.
Mas agora, após 35 dias tudo havia terminado, pelo menos para ele. Respirou fundo e tentou sem sucesso algum conter uma lágrima que teimava ainda em cair, ascendeu o um cigarro, este devia ser o primeiro do terceiro maço daquele dia. Ao seu lado no banco frio uma garrafa do mais barato conhaque, ele já não se importava com o amanhã, nenhuma diferencia faria para ele ter dor de cabeça na manhã seguinte ou se passaria mal, pois ele pretendia continuar a nutrir sua alma com seu corpo anestesiado pela bebida, só havia uma única vontade em seu coração: morrer também.
Naquele final de tarde, ali sentado ele chorava, sim, pela morte de sua amada esposa, mas chorava muito mais por saber o quão desgraçada, infame e maldita era sua vida.
O vento soprou calmo, e ele virando sua cabeça para a direita pôde ver como num flash back sua amada, seus olhos enchiam-se ainda mais de lágrimas, via o dia em que se conheceram, seu casamento, seus planos de vida perfeita, a viagem que tão animados planejavam.  Eram lembranças que permeavam sua mente neste instante, mas era o cabelo ruivo de que ele mais se lembrava, compridos e cacheados, eles balançavam divinamente ao vento quando ela se inclinava de um jeito singular. Por um único instante, em meio aquele outono destruidor, o aroma adocicado dos cabelos ruivos dominaram aquela praça e tudo pareceu florescer como se fosse primavera, mas tudo foi destruído subitamente por uma imensa mancha de sangue que o dominou por completo.
Por de trás desta névoa de sangue o rosto da velha Francisca subjuga o anterior quase que instantaneamente. Lembra-se do maldito dia em que permitiu que aquela mulher entrasse em sua casa para transformar sua vida, que um dia foi bela, em uma verdadeira desgraça.
Desgraçada! Este é o único nome que ele poderia dedicar à parteira. Com riqueza de detalhes toda a história vem a sua cabeça.
Lá está ele abrindo a porta, a velha entra e sobre seu ombro direciona seu olhar para a linda ruiva que busca o olhar de seu amado, que saturado pela vergonha foge do seu. Em silêncio ele permite que a velha entre e fecha a porta com o enferrujado trinco. A velha caminha lentamente em direção a mulher, aproxima-se e com suas hábeis mãos tranqüiliza-a, uma mão sobre o ventre que pouco revela o sexto mês, e a outra afagando o ombro tentando prepará-la para o que havia de se acontecer.
Ele permanece de costas, a velha conduz a jovem que continua a buscar um olhar para se pegar para dentro, mas ele permanece de costas até que elas sumissem no escuro do corredor, que levava ao quarto do casal. Aí sim ele respirou fundo e levou as mãos até o rosto subindo até seus cabelos negros e lisos, tentando se acalmar. Olhou para o corredor, mas não existia mais nada ali para ser visto, elas já haviam se perdido nas trevas. Então sentou-se no banco de madeira que ficava na parede atrás da porta. Ali ele ficou sentado até tudo terminar.
O silêncio era quase que supremo, poucos foram os sons emitidos, para ser exato, apenas dois, o primeiro um pequeno choro contido que logo cessou, é provável que ainda não tivesse começado, e por fim um suplício baixo e abafado, mas forte, carregado de dor e sofrimento e novamente o silêncio.
Com os olhos fixados na escuridão ele pode ver de longe que algo se aproximava, por um instante pensou que poderia ser Deus vindo buscar seu quinhão, mas voltou à realidade com os sons dos passos dos velhos sapatos de couro. Era Francisca, que caminhava em sua direção. Ele não podia encarar seu fracasso e sua vergonha, por isso baixou a cabeça. Quando a velha parou em sua frente levantando vagarosamente a cabeça viu entre aqueles braços flácidos um embrulho feito com seus lençóis. Ela estende as mãos para ele, que recebe o ser que cabia em suas palmas, imerso em uma espécie de transe pensou em descobrir e encarar o pequenino, mas conteve-se quando do lençol um filete de sangue escorreu manchando suas caras botas. A velha voltou para a escuridão e ele caminhou para o fundo da casa, lá entre as rosas cavou um pequeno buraco, não excedia meio metro, com certeza, e lá depositou o corpo do pequenino, um ser inominável, que nem sequer chegou a formar-se, ainda era uma idéia, uma possibilidade, uma nota que nunca foi entoada numa música, mas era André.
Quando terminou sua funesta tarefa bateu a terra que estava em sua roupa, por hábito ou pura ignorância, fez o sinal da cruz em frente ao sepulcro secreto entre as rosas e entrou.
Na casa encontrou já prostrada na porta a velha que por habilidade adquirida nos anos de oficio, muito provavelmente séculos, já havia terminado todo o trabalho e estava ali para receber seu pagamento. Ele prontamente enfia a mão em seu casaco e de lá tira um amontoado de notas, leva o dedo a boca como reza o hábito e conta as notas, separa duas notas de vinte e entrega à velha. Ela o encara de forma fria, fecha os olhos com satisfação e com a cabeça sinaliza positivamente e finaliza com um desdentado sorriso.
Ele abre a porta e mais uma vez ela some nas trevas, só que desta vez para nunca mais. Ele recompõe-se, bate novamente a terra de sua roupa e entra na escuridão, caminha devagar pelo corredor e pára em frente a porta de seu quarto e de lá mesmo do corredor, encostado à porta, ele observa aquela que um dia foi seu lindo e adorável anjo ruivo.
Ela está ela sobre a cama com os olhos fundos e avermelhados pelo choro que ela segura bravamente. Os cabelos ruivos de outrora tão belos e vistosos agora encharcados pelo suor parecem negros. Uma de suas mãos repousa sobre o ventre vazio assim como sua alma enquanto a outra faz jogada sobre a cama.
Com o rosto virado para o lado oposto ao da porta, ela fixa seu moribundo olhar para o nada em silêncio e assim, muda, ela permaneceu.

Texto de 18 de outubro de 2010

domingo, 2 de janeiro de 2011

ENSAIO SOBRE UM TEATRO SAGRADO E PROFANO


Há muito tempo a trás perguntaram-me sobre o significava o teatro para mim. Não me recordo de minha resposta mais tenho certeza que o que respondi foi repleto de chavões e clichês vazios fruto da inocência, inexperiência e imaturidade da idade. Hoje após 11 anos de teatro: evolui , desenvolvi, cresci, provei do fruto proibido do teatro verdadeiro. Hoje se me perguntarem sobre o que é o teatro, responderei sem medo de errar que nada sei sobre o teatro. Apenas sei o que ele representa para mim: O teatro é meu vicio minha droga e meu remédio. Minha doença e minha cura. O teatro é meu filho, meu pai e minha amante minha religião. Relacionamo-nos de forma vampiresca, pois ele me consome enquanto o abuso. Estupro-o enquanto ele faz o mesmo a mim. Desta relação vivo para fornicar e fornico para viver. Perco-me em seus braços. Sou sua cria e seu criador. Seu servo e seu mentor. Aprendi que o teatro não imita a vida como alguns pregam, pois o teatro é a própria vida é a arte de viver plenamente esta vida com uma única diferença da vida fora do palco; A consciência de estar vivendo. Aprendi a odiar a falsa arte, o oportunismo, o caminho mais fácil. Mas principalmente aprendi que não existe o salvador, não existe catequização não é esta a função de minha arte. Penso logo existo, questiono e contesto para afirmar esta minha existência. Aprendi a respeitar as diferenças. Aprendi a ser a diferença e assim como Voltaire penso que: “posso não concordar com o que diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo!”, mesmo que seja a maior asneiro da face da terra. Só não me peça para concordar, não me peça para calar-me, pois minha arte é e sempre será um MANIFESTO.


André's Araújo
Diretor Teatral
(Extinta) Cia. Teatro Sagrado Profano

Este texto foi produzido para o programa da peça MANI FESTO de 15.07.2009 (o texto não foi usado devido à pressão que existia com relação ao espetáculo) tido como subversivo, pra evitar complicações para o elenco me abstive de usá-lo, porém da mesma forma o espetáculo gerou polêmica, resultando em minha EXPULSÃO da Casa da Cultura e algumas ameaças de processos, entre outros por indução de menores, no final pura besteira de uma mentalidade antiquada e ultrapassada. Mas devo admitir que foi uma interessante experiência ser censurado em pleno séc. XXI

CUMPRI-SE A TAREFA DA MINHA ARTE... PROVACAR O PENSAMENTO E ATENTAR CONTRA A APÁTIA, O ÓCIO MENTAL E PRINCIPALMENTE DETURBAR A ORDEM HIPOCRITA DO REAL

EVOÉ BACO.